A produção psicanalítica brasileira é, atualmente, um exemplo admirado em todo o mundo, apesar dos obstáculos impostos pela língua portuguesa e pela escassez de recursos para a pesquisa nas ciências humanas e sociais. Nossa psicanálise não está encarcerada nas instituições e escolas de psicanálise, nem nos consultórios privados, sendo inspiração para práticas de cuidado em escolas, hospitais, aparelhos jurídicos e para uma série de iniciativas menos institucionalizadas, nas ruas e nas periferias dos nossos centros urbanos. Além disso, ela é fortemente debatida nas universidades e na mídia. Nem sempre foi assim. Da sua inserção na cultura brasileira em meados do século XX até o fim da ditadura militar, a psicanálise no país foi o retrato da nossa história de colonização, limitando-se a transmitir problemas estrangeiros e mantendo-se apartada do contexto social. Temas como desigualdade, pobreza, fome, LGBTfobia e violência contra as crianças e as mulheres não compareciam nos congressos psicanalíticos. Hélio Pellegrino foi um pioneiro na ultrapassagem dessas fronteiras, ousando torcer os conceitos psicanalíticos no sentido da busca de uma compreensão mais lúcida da realidade social brasileira, bem como da produção de subjetividades em solo nacional. Sua obra, resgatada e analisada por Larissa Leão de Castro em Hélio Pellegrino: por uma psicanálise política, configura um verdadeiro antídoto contra a alienação e, mesmo, contra a pusilanimidade ético-política que, por décadas, vigorou na elite que praticou a psicanálise em nosso país. Daniel Kupermann Psicanalista, professor livre docente da Universidade de São Paulo e presidente do Grupo Brasileiro de Pesquisas Sándor Ferenczi.