Samantha sabe que tomar o indizível, o invivível, o inimaginável, como tema de pesquisa é caminhar nos limites da interpretabilidade — Die Grenzen der Deutbarkeit — e é justamente dessa posição assumida ao longo do livro que resulta uma costura delicada na qual os sonhos, esse tema central da obra freudiana, são o inusitado e intrigante ponto de articulação entre a vivência nos campos e a psicanálise.
A autora traz relatos de sonhos que foram narrados em livros, escritos em papéis, escondidos sob as roupas, enterrados para serem encontrados. Eles são cuidadosamente ordenados por temas — sonhos de pão, de amor, de narração, de ruptura de fé, oraculares, sonhos fora do tempo.
No limite da mais desumana condição de angústia e desamparo, sonha-se. Teriam os sonhos nos campos contribuído para a sobrevivência daqueles que puderam contá-los depois? — pergunta-se Samantha. Mesmo nessa condição em que aparentemente já não resta mais traço de humanidade, o psiquismo trabalha a serviço da vida e o sonho revela sua mais básica função psíquica, a de fazer dormir.
Michele Roman Faria