Darcy Ribeiro

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    Nada mais natural do que pensar assim para um ibero que acabava de expulsar os hereges sarracenos e judeus, que os haviam dominado por séculos. Ainda com o fervor das cruzadas gloriosas contra os mouros, eles se assanharam, aqui, contra o gentio americano. O próprio Estado assume funções sacerdotais, expressamente conferidas pelo papa, para cumprir seu destino de Cidade de Deus contra a Reforma europeia e contra a impiedade americana. Para tanto, chega a transferir às coroas ibéricas o mais importante de seus privilégios, que era o padroado papal, dando­-lhes o direito de nomear, transferir e revogar bispados e outras autoridades eclesiásticas. Em contraparte, pelo que Deus lhes dava em riqueza e em vassalos nas antípodas, Roma lhes sacramenta a possessão dos novos mundos com a condição de que prossigam sobre eles a guerra dos mouros, na guerra e na conversão dos novos infiéis recém­-descobertos. Quem sabe até para transformá­-los, através de seus evangelizadores, na cristandade terminal.
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    Era a dialética do senhorio natural do cristão contra a servidão, natural também, do bárbaro. Com o passar das eras, este acabaria por sair da infância pagã, da indolência inata, da lubricidade e do pecado. Ideologia nenhuma, antes nem depois, foi tão convincente para quem exercia a hegemonia, nem tão inelutável para quem a sofria, escravo ou vassalo. Desapossados de suas terras, escravizados em seus corpos, convertidos em bens semoventes para os usos que o senhor lhes desse, eles eram também despojados de sua alma. Isso se alcançava através da conversão que invadia e avassalava sua própria consciência, fazendo­-os verem­-se a si mesmos como a pobre humanidade gentílica e pecadora que, não podendo salvar­-se neste vale de lágrimas, só podia esperar, através da virtude, a compensação vicária de uma eternidade de louvor à glória de Deus no Paraíso.
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    Essas linhas de formação correspondem, no lado nórdico, à formação de um povo livre, dono do seu destino, que engloba toda a cidadania branca. No nosso sul, o que se engendra é uma elite de senhores da terra e de mandantes civis e militares, montados sobre a massa de uma subumanidade oprimida, a que não se reconhece nenhum direito. A evolução de uma e outra dessas formações dá lugar, nas mesmas linhas, de um lado, ao amadurecimento de uma sociedade democrática, fundada nos direitos de seus cidadãos, que acaba por englobar também os negros. Do lado oposto, uma feitoria latifundiária, hostil a seu povo condenado ao arbítrio, à ignorância e à pobreza.
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    No plano associativo – quer dizer, no que concerne aos modos de organização da vida social e econômica –, aqueles núcleos se estruturaram como implantação de uma civilização graças à:

    substituição da solidariedade elementar fundada no parentesco, característica do mundo tribal igualitário, por outras formas de estruturação social, que bipartiu a sociedade em componentes rurais e urbanos e a estratificou em classes antagonicamente opostas umas às outras, ainda que interdependentes pela complementaridade de seus respectivos papéis;
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    A instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro foi o cunhadismo, velho uso indígena de incorporar estranhos à sua comunidade. Consistia em lhes dar uma moça índia como esposa. Assim que ele a assumisse, estabelecia, automaticamente, mil laços que o aparentavam com todos os membros do grupo.
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    Como cada europeu posto na costa podia fazer muitíssimos desses casamentos, a instituição funcionava como uma forma vasta e eficaz de recrutamento de mão de obra para os trabalhos pesados de cortar paus­-de­-tinta, transportar e carregar para os navios, de caçar e amestrar papagaios e soíns. Mais tarde, serviu também para fazer prisioneiros de guerra que podiam ser resgatados a troco de mercadoria, em lugar do destino tradicional, que era ser comido ritualmente num festival de antropofagia.
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    Sem a prática do cunhadismo, era impraticável a criação do Brasil. Os povoadores europeus que aqui vieram ter eram uns poucos náufragos e degredados, deixados pelas naus da descoberta, ou marinheiros fugidos para aventurar vida nova entre os índios. Por si sós, teriam sido uma erupção passageira na costa atlântica, toda povoada por grupos indígenas.
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    O povo do Ramalho, fundador da paulistanidade, teve vários visitantes que o retrataram. O aventureiro alemão Ulrich Schmidel, que visitou Santo André, povoação de João Ramalho em 1553, disse que se sentia mais seguro numa aldeia de índios do que ali, naquele covil de bandidos. Informa ainda que Ramalho era capaz de levantar 5 mil
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    Sobre o próprio João Ramalho, o governador Tomé de Souza, cheio de admiração, diz em carta ao Rei, de 1553: “[...] tem tantos filhos e netos, bisnetos e descendentes dele, que o não ouso de dizer a Vossa Alteza. Não tem cãs na cabeça nem no rosto e anda nove léguas a pé antes de jantar” (“Carta de Tomé de Souza a el­-rey com muitas notícias das terras do Brasil”, 1o de junho de 1553 in Cortesão 1956:271).
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    Outro núcleo pioneiro, de importância essencial, foi o de Diogo Álvares, Caramuru, pai heráldico dos baianos. Ele se fixou, em 1510, na Bahia, também cercado de numerosa família indígena. Conseguiu manter certo equilíbrio entre a indiada com que convivia cunhadalmente e os lusitanos que foram chegando. Converteu­-se, assim, na base essencial da instalação lusitana na Bahia. Ajudou até mesmo os jesuítas e legou bens a eles em seu testamento.
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